
A adesão da Turquia à União Europeia é uma construção artificial. Não haveria qualquer problema nisso, se não fosse uma mistificação politicamente correcta. Só conta com um apoiante entusiasta e inequívoco: os Estados Unidos. Deveria ser suficiente para ficarmos desconfiados. Mas não ficamos. Ontem, os líderes europeus marcaram a data oficial para o início das negociações.
Com frases ocas e frases de circunstância - «momento histórico». Sem grandes explicações nem fundamentos.
Sucede que a adesão é demasiado complexa para tantas certezas. Nos partidos portugueses há consenso. Cheira a ligeireza. A Turquia quer entrar e os EUA querem que a Turquia entre. A Europa inventa desculpas para a receber.
A primeira é ser um Estado laico. Ou seja, exige-se da Turquia o que não se pede a nenhum dos países europeus. A Europa não é laica e a Irlanda, a Áustria e o próprio Reino Unido provam isso.
Ouvem-se outros argumentos. Que assim se evita o confronto civilizacional entre o Islão e o Ocidente. Que ajuda a resolver a decadência demográfica europeia, com mão-de-obra barata a financiar mais uma geração de reformados.
Também se evocam causas históricas: a presença turca na Europa é secular, logo a Turquia moldou a cultura europeia. Acrescentam-se razões geoestratégicas: a Turquia integra o Conselho da Europa e é sobretudo membro da NATO.
Quem não adere a esta apologia, quem não a aceita, apanha com um rótulo certo: é racista. Fugindo à principal das discussões: a Turquia não é um país europeu.
O império turco estendeu-se, de facto e por séculos, ao centro da Europa. Mas também teve presença nos países árabes e por muito mais tempo. A Turquia não vai aderir à Liga Árabe. Até porque os árabes detestam os turcos e por razões conhecidas e justificadas.
Assim é de equacionar o confronto de civilizações com o Islão. O Islão não é uniforme. O Islão turco sempre foi outra coisa, distinta do Islão árabe. Integrar a Turquia afasta árabes e persas. Por outras razões, também afasta a Rússia da União.
A questão demográfica também é complicada. E não é preciso ver a Turquia como país da UE para perceber isso, pois basta lembrar as dificuldades étnicas, sociais e religiosas que a França enfrenta para integrar 6% da população árabe. Será que a Europa conseguirá, dentro de duas décadas, absorver 25% de população turca? Não sabemos.
As razões geoestratégicas, ou são ridículas, ou autoanulam-se. É ridículo, por exemplo, aceitar o Canadá na UE só porque é um país da Nato. Tal como seria estranho expulsar a Irlanda da União porque não pertence à Aliança Militar. E anulam-se a si próprias, por serem exactamente essas as motivações do EUA para verem a Turquia na UE.
A política dos EUA na Turquia é simples: financia militares e políticos. Os apoios sociais e o esforço de coesão, com menor «payback», que fiquem para a União.
E a política dos EUA para a Europa é conhecida: evitar a união política e a unidade económica. Isso é conseguido com a diluição da nossa identidade cultural e étnica. [ Sérgio Figueiredo, Jornal de Negócios, 17/12/2004 ]
«O mundo islâmico, nomeadamente os extremistas islâmicos, vão congratular-se com a adesão da Turquia. É o seu cavalo de Tróia». [ Kadhafi ]
«Os minaretes são as nossas baionetas, as cúpulas as nossas couraças, as mesquitas os nossos quartéis e os crentes os nossos soldados». [ Recep Erdogan, Primeiro Ministro Turco, Islamista moderado ]
«O problema não é económico e, se calhar, nem tanto político. É de cultura. Uma vez abrindo negociações com a Turquia, qual o critério para não o fazer com todos os países do Mediterrâneo?» [ Ernâni Lopes em entrevista ao Semanário Expresso ]
[ Mohamed VI, Rei de Marrocos ] pediu auxílio a Espanha para entrar na União Europeia. «O precedente já existe: Turquia, com o triplo da população de Marrocos e mais afastada do centro da Europa.»